16 de abril de 2010

Por uma conexão analógica


Há fios por toda parte. Olhando pela janela, milhares; se olho lá na favela, eles dão nó e os dentro da minha cabeça entram em curto-circuito.

Dizem que o cérebro é programado para realizar uma tarefa de cada vez (neste exato momento faço digestão do meu recém almoço, ouço Peter Kater e escrevo, o que somam três tarefas). A isso é dado o nome de hipertasking.

Multi atarefados. Estes somos nós que temos o dom de criar uma inquietação perante um momento onde não há “nada a fazer”. Ser é algo a fazer e custa muitos suspiros. Basta sentar, olhar para o mar e você vai ver que passa a suspirar. Isso é algo a fazer, mesmo parecendo que o mundo corre e eu vou ficando pra trás. Pra trás de quê? De quem? Fazer muita coisa ao mesmo tempo ganha mais pontos???

Temos esse talento cravado nas veias, de que preciso e posso e é normal – e alguns acham bonito – quanto mais fazer, melhor. Cuidar de três filhos, trabalhar como juíza, cozinhar quando chega em casa, fazer compras, não tirar férias, é bonito. Se ter três trabalhos ao mesmo tempo e ainda emendar um MBA, mais bonito ainda. Mais ainda se trabalho e ganho mais que meu marido, para dar tempo a ele de ver TV. Muito bonito.

Aí, qual a graça de sentar e ver o pôr do sol, sozinha, eu juíza, com tantas coisas “úteis” pra fazer? Qual o sentido de sair para acampar comigo mesma, se assim recebo o troféu de egoísta do ano?

Maldito capitalismo. Ou bendito: pois se auto programa para o próprio fim (espero que não de todos nós) como no mesmo processo de auto sabotagem do ego. Chega uma hora que o ego não aguenta a ele mesmo e se auto destrói.

Leio no adesivo do meu carro “Changing the world, one savasana a time”, presenteado por Judith Lasater durante minha formação em Yoga Restaurativa.

Fiquei olhando aquele adesivo e pensando como que algo tão bom, que é deitar e relaxar por 15 minutos ainda possa ser crucificado por alguns professores de yoga. Acabei de ler numa matéria de uma revista que diz algo assim “savásana pra quê, se estamos vivos?”. Sem comentários.

Savásana, restaurativa, prática brahmana não significa oposto de vida ou intensidade ou o que quer que o professor de yoga quis dizer, mas sim um espaço onde estou em contato com o momento presente. Só isso. Onde tenho liberdade de criar o hábito de me conectar comigo mesmo, respeitando aquilo que preciso hoje. “Não sois máquinas...” lembram? E muitas vezes o que mais precisamos é de sossego e não de mais desafios, ainda que físicos ao invés de intelectuais.

Falando em desafios, deixa eu lhe perguntar uma coisa: com que atitudes você desafia seu corpo? Só práticas langhana, extremamente fortes, que te fazem suar? Como ficaria se, em vez de eu me mover de acordo com meu cérebro, eu simplesmente fizesse movimentos respeitando os limites do meu organismo? “Por quê?”, você me pergunta.

Porque se você sofre de fadiga e for correr do Leblon ao Leme irá machucar muito seu corpo e intensificar qualquer distúrbio mental. Porque se você tem problemas de pele ou de estômago e praticar ásanas avançados, irá implodir, ter surtos de raiva, porque estará aumentando ainda mais seu fogo interno e alimentando por demais seu ego. Não condeno nenhuma prática, acredito que todas são ferramentas que levam ao mesmo objetivo, a libertação, mas no meio do processo existe um organismo – você – que merece ser respeitado por você mesmo. O que é melhor pra mim hoje: caminhar, correr ou deitar?

O primeiro passo é: desligo o computador, o celular, a TV. E me conecto comigo mesmo para me reconhecer como um ser vivo e não um robô. Não estou disponível, estou usando meu tempo, valioso tempo, comigo mesmo.

Namastê,
Miila

5 de abril de 2010