(reblog de insiderzcorpomente.blogspot.com)
Por Miila Derzett
O assunto é "O que acontece quando estamos praticando yoga restaurativo". Como é reconhecido o efeito/estado durante e após a permanência em posturas relaxantes.
Os lugares e situacões variam desde aulões de 1h30 a 2hs, cursos que
ministro em São Paulo e Rio de Janeiro, a salas de aula com média de 35
alunos em cursos de formação. Nesses ambientes, assim como nas aulas
permanentes que ministro em Florianópolis, surge o desejo em levantar
mais questões sobre o tema. Os feedbacks e relatos que chegam até mim
quando retornam de uma postura restaurativa é de um estado "tranquilo e
de paz". Perguntam o que é e pra que serve. Procuro as respostas em
textos clássicos de yoga, na psicologia e na antropologia. Encontro
alguns assuntos relacionados ao descanso, ao processo de adoecimento, a
estados alterados de consciência, mas nada que fale a respeito dessa
experiência. Nada nem parecido.
Percebo que desconhecemos esse "lugar". Nas aulas tradicionais de hatha yoga, professores costumam terminar a prática com o savasana,
conhecido como a postura do cadáver, onde deitamos de costas no
tapetinho e relaxamos por até 5 minutos. Ou 25 respirações. Numa aula de
restaurativa reservamos cerca de 25 minutos e já cheguei a 65 minutos
numa única postura. É onde os alunos mergulham num "tempo não
relativo", terei a audácia de falar assim. Relatam sensações, visões,
sentimentos fortes, ou estar num nada, como se estivessem desligados.
Não sei onde andam e se damos nome a isso. A esse estado, esse espaço
invadido. Ou se é um espaço que está ali disponivel e pronto.
Mas nao
temos tempo para nos deixar ser levados pela leve brisa até ali. Dá
trabalho. A entrega é difícil. Requer tempo, o tempo que nunca nos
sobra.
Tal fato
pode ser notado pelos milhões de residentes no planeta terra que não
descansam direito, que não relaxam, que vivem estressados, presos ao
ciclo de consumo e descarte. Quando nos é indicado parar para ter
consciência da respiração, para meditar, para refletir sobre quem somos e
o que buscamos, para praticar uma postura que, ao invés da ação, peça
uma não ação, um aquietamento ou contemplação - o que pensamos? Que é
uma perda de tempo. Pensamos ou fomos condicionados a não aceitar dar um
tempo ao estado de produtividade continuo. Isso pode ser uma pergunta
ao invés de uma afirmação. Porque a necessidade de estar sempre fazendo
algo? Se estamos num aeroporto com vôo atrasado e temos algumas horas
sobrando para fazer nada, o que fazemos? A maioria vai até o free shop,
até a livraria ou pega o celular. Raramente, sentamos como livres
testemunhas do saguão do aeroporto ou da zona de embarque para fazer
nada.
Quase
nunca viramos testemunhas da vida, pois isso sim é que dá trabalho.
Porque é estranho quando todo mundo se move insanamente para todas as
direções numa superficialidade, o que eu pareço se, de repente, páro
para tentar ver ou escutar o que surgiria de um espaço vazio na minha
agenda e de um mergulho em mim? Uma parada para veslumbrar um nada? Ou
ainda perceber dores, cicatrizes mal curadas, ansiedade, depressão,
medos? Usufruir de um tempo ocioso não significa fazer telefonemas, nem
ligar a televisão, ou pegar um livro, arrumar o armário, varrer a casa.
Mas significa fazer NADA.
Esse
fazer nada de maneira não planejada é uma das hipótese do que talvez
aconteça após o retorno de uma postura restaurativa e de relaxamento do
yoga. Os alunos sentam, abrem aos poucos os olhos e descabelados e, por
segundos, não entendem sequer quem é a pessoa sentada em frente à eles.
Mas não retornam com preguiça ou pedindo para que eu aumente o período
de um sono. Eles me olham com uma única e repetida questão: "onde eu
estive?". E antes do questionamento aflorar em suas mentes, ainda há um
espaço no retorno que dedico profundo respeito: é silencioso. Percebe-se
mínima atividade em algumas áreas corticais como a LPPS (Lobo Parietal
Posterior Superior), responsável por formar a nossa imagem e percepção
corporal frente as informações advindas pelos sentidos. O cérebro
funciona com o sistema nerovoso simpático, ativo e o corpo com o
parassimpático, diminuindo suas funções e atentando-se apenas ao mínimo
para sobrevivermos (ou sistema vegetativo).
É
agradavelmente prazeroso ver esses rostos. E ao mesmo tempo tenso, pois
particularmente não sei dar as respostas, temos medo do que não sabemos
e, ou ignoramos ou construimos respostas. Podemos simplesmente
bisbilhotar por aí. No budismo chamam essa área de tranquilidade de
"ashunya" ou espaço vazio, zero, onde pensamentos, sentimentos, emoções
ficam paradinhos na porta de entrada, ou estão presentes (pois a mente
nunca pára realmente) mas é a consciência deles é que desaparece, ou
estaria vagando num vazio? Um vazio delicioso para alguns e anustiante
para outros marinheiros de primeira viagem. Um lugar respirado, leve,
isento de ruídos da mente: não tem medo, não tem ansiedade, não tem
agitação para aqueles que se permitem mergulhar no abismo vazio de si
mesmos. Mas tem alerta ainda assim. Você escuta minha voz, escuta o
sininho de longe, como se chamando você ali adiante, sem pressa.
Será que
existe um estado melhor do que esse? Você consideraria esse estado de
perda de tempo? De dormência, ou de "soninho" como algumas linhas da
Yoga tendem a, na tentativa reducionista com esse "salto", chamar? Você
não precisa de asanas nem de respirações, nem de tapas em desequilíbrio
que te enchem de (mais) regras ou de desapegos (nunca realmente
compreendido o que significa) na qual resultado das ações confundem
ainda mais seu emocional. Porque não basta ao ser humano contemplar e, a
partir disso, encontrar seus meios de meditar e entregar-se ao vazio? E
porque tememos tanto entrar nele? Ou porque temem tanto que nós
entremos nele com mais frequência e sem culpa? E por isso tantos passos e
tantas regras, e penitências e tal… Essas são questões interessantes e
de profunda seriedade a serem discutidas.
Quando
sinto me insuficiente para os padrões considerados modelos de uma pessoa
bem sucedida na sociedade moderna, gosto de preparar uma postura
restaurativa na sala de yoga e simplesmente desligar tudo: celular,
projeções, expectativas. Permaneço por cerca de 45 minutos na mesma
postura, envolta em almofadas, pesinhos, acessórios de todos os tamanhos
que provém conforto. Percebo um estado curioso: meu músculos soltam,
entro num embalo como se estivesse sendo carregada, onde alguém pega
todos os problemas e questões e transportam para longe numa caixinha.
Enquanto isso, esse alguém vai cuidando de partes psicofísicas do meu
ser que necessitam reparos.
Tento
explicar isso aos novos praticantes de restaurativa, que ainda
desconfiados, deitam nas posturas provavelmente perguntando o que fazem
ali. "Perda de tempo ficar sem fazer nada." Tento explicar que não, que
existe uma compensação natural ativa naquelas horas, pois quando estamos
neuroticamente presos a questões e pensamentos inúteis (pois na maioria
das vezes não temos as respostas que esperamos nem a resolucão de
nossos problemas) perdemos dias nessa dormência, viajando em espaços
inexistentes, em passado e futuro e completamente desconectados do
presente. Quantas horas você acredita que perde assim? Dias? Uma meia
vida talvez? E como pode me garantir que uma hora ou duas de uma prática
calma ou de inação irá influenciar de forma negativa o seu dia? Essa
questão me faz lembrar de Domenico de Masi em "O ócio criativo".
Temos como parar o barco por alguns minutos, soltar a âncora e diminuir a
força dos motores? Mudar o olhar fixo sempre em pensamentos no
horizonte, lá onde nunca se chega porque queremos sempre o que ainda não
temos? Teríamos como deixar a maré nos levar, deitados nesse barco,
confiantes, observando o céu e as "nuvens" passageiras? E se fizer bem,
podemos ao menos aceitar e permitir que esse momento se repita,
transformado aos poucos em instantes que soltamos as cordas que nos
prendem àqueles que ditam nossos passos e sonhos como se fossemos
bonecos sem voz e sem coração?
Pratiquemos
o soltar se a momentos da prática de presença, jogando-se nesse vazio
cientes do todo que o permeia. Um vazio de encontrar-se, um espaço do
despertar-se. Um vazio pleno.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Aguarde. Sua mensagem será postada em breve!
Atenção: não permitimos comentários que agridam ou ofendam pessoas, instituições, organizações governamentais, entre outros.